meditação

Praticar Yoga para quê?

Perto dos Himalaias vivia um dedicado praticante de Yoga. Gostava de acordar cedo e de fazer a sua prática um pouco antes do sol começar a surgir por entre as montanhas. Um dia, sentindo que já tinha alcançado o fim da sua viagem interior, desceu até à aldeia mais próxima.

Nesse dia o mercado da aldeia estava repleto de gente, o ar carregado de aromas e as bancas cheias de produtos para regatear. Enquanto abria caminho por entre o amontoado de gente, o praticante de Yoga foi empurrado e pisado por um jovem que se assustou ao ver uma Naja enrolada num cesto. O Yogi ficou zangado e levantou o braço para dar um safanão ao rapaz. Mas no instante em que percebeu o que ia fazer, baixou o braço e correu novamente para o seu refúgio nas montanhas para voltar a praticar Yoga.”

Imagina que as montanhas são a sala onde tu fazes a tua prática de Yoga, e a aldeia representa a tua vida diária (família, trabalho, relações, etc.). Na tua sala de prática treinas a tua mente para ficar mais atenta, focada, concentrada, livre da torrente de pensamentos. Praticas para conquistar clareza e uma mente serena perante as dificuldades. O dia-a-dia é onde testas a tua prática. É no meio dos conflitos familiares, no caos e na pressão do trabalho, no stress das obrigações que vamos perceber como estamos no nosso caminho de praticantes. O Yogi da história achava que já tinha chegado ao fim da sua viagem interior, mas quando levantou o braço para agredir o rapaz que o tinha pisado, teve humildade suficiente para perceber que a raiva se tinha apoderado da sua mente, e não era o fim da viagem, portanto o melhor era voltar à prática.

Algumas observações sobre esta história:

Um praticante de Yoga não é um ser perfeito, por tanto, cuidado com as afirmações do tipo “praticas Yoga, não devias stressar”, “praticas yoga, não devias ficar nervoso”, etc.. Um praticante de Yoga é alguém que se observa, que se estuda e que procura melhorar a cada dia, mas não é um ser perfeito. Não praticamos Yoga para nos tornarmos perfeitos, a prática não visa tornar-nos melhores mas sim fazer-nos ver quem realmente somos (autoconhecimento).

Não é objetivo da prática passar a viver num mundo de felicidade LÁ LÁ LÁ, positive vibes ou unicórnios cor de rosa. A prática de Yoga não serve para fugir ao que sentes, não serve para fugir à realidade, principalmente se não te sentes bem com algum aspeto da tua vida. Apesar do Yoga trazer bem estar e descontração, ele também traz mais consciência para o nosso dia a dia. Se dentro de nós existe, zanga, dor, raiva, frustração, então é isso que o Yoga nos vai mostrar. E é a partir dessa observação que podemos começar a resolver as nossas questões internas, é preciso agir com coragem e vontade. E agir com coragem para enfrentar as suas batalhas internas é a atitude do verdadeiro praticante de Yoga.

Às vezes as pessoas desistem do Yoga por que começaram a praticar com a ideia equivocada de que o Yoga é uma espécie de pílula mágica que se toma e resolve tudo, o mundo fica cor de rosa. Descobrem ao fim de algum tempo e com grande deceção, que o Yoga só aumentou a consciência sobre os problemas mas não resolveu nada e então desistem. Outras permanecem e entram no caminho do bypass espiritual.

Bypass espiritual é um termo criado pelo psicólogo John Welwood, para abordar a utilização de crenças e práticas como forma de evitar lidar com sentimentos, feridas, problemas não resolvidos ou para fugir das questões desconfortáveis da vida.

Alguns exemplos de bypass espiritual

  • evitar a realidade, viver alienado dos acontecimentos do mundo
  • fugir de conversas que nos fazem sentir desconfortáveis ou não encaixam nos nossos ideais espirituais
  • dar muita ênfase ao positivo e evitar o negativo
  • acreditar que existem emoções positivas e emoções negativas, e que não podemos ter emoções negativas
  • acreditar que os seus comportamentos e ideias são moralmente superiores que os das outras pessoas
  • ser excessivamente desapegado
  • ser excessivamente idealista
  • ser excessivamente compassivo
  • acreditar que o universo envia sinais, em vez de acreditar na sua responsabilidade pessoal
  • acreditar que tudo acontece por uma razão
  • acreditar que um Guru ou professor tem todas as respostas
  • acreditar que existem crenças limitantes
  • acreditar que se é tudo o que se atrai para a própria vida
  • acreditar em cocriação e e outros termos new age

O bypass espiritual acontece quando usamos a nossa prática para deixar de sentir o que não queremos sentir ou o que achamos que não deveríamos sentir. O resultado que se obtém nesta fuga é o oposto do que esperávamos, pois o desvio não nos distância apenas dos nossos problemas ou das nossas dores, mas também do nosso próprio desenvolvimento pessoal. Só somos verdadeiramente livres e despertos quando abraçamos as nossas dificuldades, a verdadeira liberdade não significa ausência de dor, mas conscientização da mesma.

Da próxima vês que estenderes o tapete faz a pergunta a ti mesmo: “Pratico Yoga para quê?”.

Porque acho que vou me tornar num ser perfeito? Porque acredito que o Yoga é uma pílula mágica? Porque quero que a prática me leve para o mundo do positivismo cor de rosa? Ou….?