É muito comum no meio do Yoga ouvir-se o termo hiperoxigenação. Na sala de prática ou em livros, surge muitas vezes a afirmação que determinadas técnicas promovem a hiperoxigenação do sangue, e por consequência os vários tecidos corporais bem como o cérebro, traduzindo-se isso em estados maior concentração e lucidez. Estas afirmações não são corretas e transformaram-se num mito repetido ad nauseam. Normalmente esta suposta grande oxigenação é associada a técnicas como o bhastrika (respiração do fole), o kapalabhati (crânio brilhante) ou o sirshasana (invertida sobre a cabeça).
Numa pessoa saudável a saturação arterial de oxigénio (SaO2) no sangue variam entre os 95% a 100%. Estar abaixo destes valores de forma permanente indica algum problema de saúde que precisa de atenção médica. Durante a prática de pranayama não há aumento da concentração de oxigénio, quer respiremos lentamente ou de forma acelerada como no bhastrika, pois a saturação já está nos limites máximos. Portanto a hiperoxigenação é um mito. Isto é fácil de comprovar, basta usar um oxímetro de dedo antes, durante e depois da prática de qualquer pranayama. O oxímetro (ver foto) é um pequeno aparelho que se coloca no dedo e que mede indiretamente a saturação de oxigénio no sangue. Pode ser adquirido nas grandes lojas de eletrodomésticos, farmácias ou parafarmácias.
Mas então o que é que acontece quando praticamos bhastrika? A respiração rápida que fazemos no bhastrika faz com que o corpo retire mais dióxido de carbono (C02) do sangue, havendo por isso uma descida grande dos níveis de saturação de CO2. A tontura que muitos praticantes sentem ao executar bhastrika não se devem à hiperoxigenação do sangue ou ao aumento de oxigénio no cérebro, como muitas vezes é dito. O dióxido de carbono permite que a hemoglobina transporte o oxigénio até aos tecidos, quando o nível de CO2 desce abruptamente o sangue torna-se alcalino (alcalose respiratória) e a hemoglobina não consegue libertar as moléculas de oxigénio, que ficam presas. Sempre que isto acontece, surgem as tonturas e o exercício deve ser interrompido. Devemos voltar a fazer respirações normais, pelo menos até que as tonturas desapareçam.
Mas se a hiperoxigenação é um mito, para quê praticar ? O bhastrika tem inúmeros benefícios, promove a eliminação de certas tensões musculares e gera um estado de alerta e bem estar entre outros. Além disso, sabemos que níveis elevados de CO2 fazem com que o cérebro emita uma mensagem química que nos faz inspirar novamente. Diminuindo os níveis de CO2 no sangue, “enganamos” o cérebro e conseguimos fazer retenções mais longas (kumbhaka). O bhastrika deve ser seguido de kumbhaka. Nas escrituras antigas as práticas de bahya kumbakha e antara kumbhaka são associadas a estados meditativos. Além disso, durante a retenção ser ar acontece um fenómeno denominado de hipóxia intermitente (nível de oxigénio abaixo dos 90%) que também pode ser comprovado usando o oxímetro. A hipóxia intermitente tem alguns efeitos interessantes na saúde e bem estar geral, tendo sido objeto de estudo por cientistas russos.
Nota importante: A prática de kumbhaka requer uma sólida experiência de pranayama e o acompanhamento de um instrutor. Não é recomendada a iniciantes.
Referências:
Drª Ruth Gilmore, Relive Stress (Yoga for Living)
H. David Coulter, Anatomy of Hatha Yoga: A Manual for Students, Teachers, and Practitioners
Leslie Kaninoff, Yoga Anatomy